terça-feira, 21 de maio de 2013

Luíz Bonfá - Introspection - 1972

 
Músicas
01 – Enchanted Mirror
02 – Summertime Love
03 – Reflections
04 – Conerto For Guitar
05 – Rain
06 – Leque
07 – Missal
08 – Adventure In Space

* Todas as músicas são de Luiz Bonfá

* O texto abaixo é de Arnaldo DeSouteiro (2001, Amsterdam) e faz parte da apresentação (antiga contracapa) do lançamento do CD ”Introspection”.

“Oito obras-primas formando uma obra de arte composta e executada por um gênio. Sem exagero algum, “Introspection” poderia ser assim definido. Mas este sublime CD, o terceiro gravado por Luíz Bonfá (1922-2001) para a RCA norte-americana, em outubro de 1972, nunca editado em LP no Brasil, merece aclamação por muitos motivos. Cultuado mundialmente como um dos melhores álbuns de violão-solo na história da música, revela uma verdadeira música universal criada de forma mais original e pessoal possível, por um artista que nunca admitiu fronteiras para a sua arte. E que, ao viajar para os EUA em 1957, pagou um preço muito caro por tudo isso, sendo tratado com desprezo, e até deboche, pela mídia brasileira.

Deveria, mas não poderia ter sido diferente. Como suportar, sem inveja ou rancor, o sucesso internacional de alguém que, sem fazer parte de panelinhas, sem mendigar atenção de gravadoras, sem suma, sem precisar do Brasil para viver, conseguiu se tornar um dos maiores compositores e violonistas do mundo? Bonfá lançou mais de 50 discos. Trabalhou com Tony Benneti, Elvis Presley, Frank Sinatra, Mary Martin, Julie Andrews, Lalo Schifrin, Eumir Deodato, Dom Um Romão, George Benson, Bobby Scott e Maria Helena Toledo. Além destes, também com Sarah Vaughan, Carmen McRae, John McLaughlin, e, mais recentemente, com Os Três Tenores (Domingo/Carreras/Pavarotti) gravaram algumas de suas 500 canções.

Entre elas, “Manhã de Carnaval” (um hino extraoficial brasileiro) e “Samba de Orfeu”, ambas composta para a trilha sonora de “Black Orpheus”, Oscar de melhor filme estrangeiro e Palma de Ouro no Festival de Cannes, sem 1959. Ou seja: muito antes de ouvir bossa nova, o mundo já ouvia Luiz Bonfá! Não por acaso, foi o único artista aplaudido de pé no célebre concerto de bossa nova no Carnegie Hall, em 1962: a única música já conhecida da plateia naquela noite, era “Manhã de Carnaval”. E Bonfá continuou sendo ouvido cada vez mais, por conta de sucessos como “Menina Flor” (faixa de seu LP com StanGetz, “Jazz Samba Encore!”, que permaneceu três meses na parada pop da “Bilboard” em 1963), “The Gentle Rain” (do filme Homônimo, em 1965, transformado em jazz standard gravado por George Benson, Oscar Peterson, Joe Pass, Jimmy Smith e Diana Krall), e “Almost in Love”, tema principal do filme “Live a Little, Love a Little”, estrelado por Elvis Presley em 1968. Sim, Bonfá foi o único autor brasileiro gravado pelo Rei do Rock!
Outras proezas? Escreveu trilhas para 20 filmes (de “Os Cafajeste”, de Glauber Rocha, em 1962, até “Presumir of. Rio”, sobre a vida de Ronald Biggs, em 1989), excursionou pela Europa, EUA e Austrália, dividiu palcos com Dave Brubeck e Ron Carter, e, nas horas de folga, namorou atrizes como Ava Gardner e Catherine Deneuve. Cada vez mais ignorado no Brasil e reverenciado no exterior, foi agraciado com um modelo de violão desenhado especialmente para ele pela Ovation, em 1982. Bateu o recorde de público do clube de jazz Fat Tuesday’s (NY) durante uma temporada em 1987. Gravou os elogiadíssimos CDs “Non-Stop to Brazil” (em 1989, faturando 4 estrelas e meia na “Down Beat”), “The Bonfá Magic”(Top 40 nas rádios de jazz dos EUA em 1993) e “Almost in Love” (em dupla com Ithamara Koorax, Top 15 na parada japonesa em 1986), além de atuar em dois discos de Toots Thielemans, “Brazil Project Vols, 1 & 2”.

Sempre atual, porque atemporal, sua obra conquistou adeptos também na cena europeia de acid-jazz, gerando faixas para diversas coletâneas. Em 1996, a gravação de Koorax pra “Empty Glass” ganhou um trip-hop remix. No ano seguinte, o grupo londrino Smoke City sampleou o violão de Bonfá, fazendo groove em “Bahia Soul”, para seu maior hit, “Underwater Love”, que virou jingle da Levi’s. O Planet Hemp sampleou “Jacarandá” na música “Se Liga”. Lord K, roqueiro iconoclasta, adicionou letra a vários temas de Bonfá, além de comporem três novas músicas juntos! O diretor Greg Motolla usou a gravação de Bonfá & Stan Getz para “Sambolero”como tema principal do filme “Daytripper”, exibido no Brasil como “Um Dia Em Nova Iorque”. Para completar, Tom Cruise selecionou “Manhã de Carnaval”, cantada por Tori Amos, para a trilha de “Missão Impossível 2”. Já debilitado por sérios problemas de saúde, emocionava-se com o permanente interesse por seu trabalho.

Como certamente se emocionaria ao saber desta reedição em CD, pela primeira vez oficialmente, de “Introspection”, um de seus discos favoritos. Captado em outubro de 1972 nos estúdios da RCA em NY, derruba vários mitos. Entre eles, o de que Bonfá não era um virtuose. Se não fosse, não conseguiria compor nem tocar nenhum dos temas de “Introspection”... Só não era exibicionista. Dava um show de técnica, sem ruídos, sem esbarrar, sem “trastejar”, mas não fazia da técnica um show. Por isso, seus detratores, tendo como parâmetros mestres do porte de Baden Powell e Rafael Rabello, de pegada forte e rústica, tida equivocadamente como a única “escola do violão brasileiro”, nunca conseguiram compreender a sonoridade límpida e aveludada, o toque sutilíssimo, a execução classuda, a concepção harmônica ultra sofistificada de Bonfá. Em entrevista ao jornal “Tribuna da Imprensa”, em 1989, o Deus do violão declarou: “Eu evito as posições convencionais, as progressões de acordes, sem malabarismos, e isso não depende só de técnica, é um conjunto de coisas”

Depois de passar pelos selos Capitol, Atlantic, Philips, Verve, epic, Mercury e Dot, Bonfá assinou com a RCA em 1970. Gravou “The New Face of Bonfá” e, 1971, “Sanctuary”, com Ron Carter, Gene Bertoncini e Airto. Dois discos supimpas, mas de pouca repercussão. Sabia que o terceiro KP também seria o último, porque a RCA não renovaria seu contrato. Então radicalizou. Em dois meses, preparou todas as peças de “Introspection”, que podem ser entendidas, como partes de uma suíte, por ele próprio definida como “descritiva-impressionista”, influendiada por Debussy e Ravel". Nada de sambinhas, nem de bossa nova, nem de improvisos jazzísticos. Com seu violão, Bonfá pinta paisagens sonoras que conduzem o ouvinte a uma viagem por um santuário sonoro, um passeio ao paraíso.


A análise minuciosa de cada faixa daria um livro. Mas é impossível deixar de ressaltar a aula dinâmica na execução de “Reflections”. As sutiliezas da refinada harmonia de “Concerto for Guitar”. A transformação do violão numa orquestra em miniatura em “Rain”e “Leque”. O humilhante domíniodoviolão de 12 cordas (uma “craviola”fabricada pela Giannini) em “Summertime Love”, de transbordante lirismo, e no transcendental “Missal”, de dimesão celestial. O uso de pedais de efeitos em “Enchanted Mirror”. Por fim, a engenhosidade arquitetônica de “Adventure in Space”, talvez o ponto alto do disco, com passagens de imensa dificuldade técnica, incluindo um tremolo que simula o motor de um foguete em propulsão. Em resumo, oito obras de arte formando uma obra-prima. Em duas palavras, Luíz Bonfá”.

Biografia (de 1922 até 1977). Bonfá faleceu em 2001.
Luís Floriano Bonfá, nasceu no Rio de Janeiro em 17/10/1922. O pai tocava violão, instrumento que começou também a aprender aos 12 anos, de ouvido. Mas tarde, tornou-se aluno do maestro uruguaio Isaías Savio, iniciou-se em música clássica e fez parte da orquestra de violões organizada pelo maestro. Num concurso para selecionar os seis melhores violonistas no Programa Hora do Guri, de Tia Chiquinha, na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro, classificou-se em terceiro lugar, executando um peça do espanhol Francisco Tárrega (1825-1909).


Mudou-se para São Paulo, onde passou a se interessar por música popular. Estreou profissionalmente em 1945 como solista de violão e vocalista do Trio Campesino, que se apresentou com sucesso nos cassinos da Ilha Pochat, de Santos , SP, e de Icaraí, em Niterói, RJ.

Em 1946 , entrou para a Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, levado por Garoto, ao lado de quem tocava no programa Clune da Bossa e de quem assimilou grande parte da harmonia moderna. Nesse ano realizou para a Continental sua primeira gravação, Uma Prece e Pescaria em Paquetá (ambas de sua autoria). No ano seguinte, passou a fazer parte do conjunto Quitandinha Serenaders, ao lado de Luís Teles, Francisco Pacheco eAlberto Ruschell. Com a dissolução do Quitandinha Serenaders, em 1952, passou a atuar sozinho como solista de violão.

Em 1953, Dick Farney grava algumas composições de Bonfá: Ranchinho de Palha,
Perdido de Amor, Sem Esse Céu e Canção do Vaqueiro. Bonfá foi o violonista na gravação das músicas da peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes (Odeon, 1956).
Excursionou pelos EUA entre 1956 e 1959 com a cantora Mary Martin, gravando LPs na etiqueta Atlantic, com elogios na crítica norte-americana pelo seu virtuosismo. A partir de então aderiu a bossa nova, tendo participado do festival realizado no Carnegie Hall, em NY, em novembro de 1962.

Volta aos EUA em 1964. Apresenta-se em programas de televisão e em shows em boates, acompanhado da esposa e por vezes parceira Maria Helena Toledo. (voltarei a falar dela, mais tarde. Totalmente esquecida).

Escreveu músicas para diversos filmes: Orfeu da Conceição – direção de Marcel Camus, 1959. Chico Viola Não Morre – direção de Román Vignoly Barreto, 1955. Os Cafajestes – direção de Ruy Guerra, 1962.

Suas composições de maior sucesso são: De Cigarro em Cigarro (Nora Ney, 1953); A Chuva Caiu (com tom Jobim), gravada por Ângela Maria em 1955. Samba do Orfeu e Manhã de Carnaval (ambas com Antônio Maria. Olha o crédito!). Manhã de Carnaval foi gravada pela primeira vez pelo grande Agostinho dos Santos. Antes de partir definitivamente para os EUA, Bonfá classificou a sua música Dia das Rosas (com Maria Heleno Toledo), no I FIC da TV Rio, no rio de Janeiro – RJ, com interpretação de Maísa. Já no II FIC, em 1967, apresentou Vem Comigo Cantar e Amada Canta. As duas músicas são parcerias com a mulher Maria Heleno Toledo. É por isso que insisto em falar sobre ela mais tarde. 


Bom, a partir daí é só Bonfá na pista. No Brasil se torna um esquecido. Como já foi dito acima: Bonfá nunca precisou do Brasil, nunca viveu da bossa nova, nem fez concessões. Sorry.

* Bonfá ainda gravaria muitas outras pérolas antes de falecer. Aguaden a segunda parte.