domingo, 26 de setembro de 2010

Luiz Eça e Bill Evans - Chico´s Bar - 1979


Músicas
01 – Noell´s Theme
02 – Who Can I Turn To
03 – Letter to Evan
04 – Laurie
05 – Five
06 – Wave
07 – Chorinho Pra Ele
08 – Letter To Evan
09 – Laurie
10 – Bill´s Hit Tune
11 – Corcovado
12 – One Note Samba-Stella By Stalight
13 – E nada mais

Pessoal, este disco foi gravado ao vivo no antigo Chiko’s Bar na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Quando digo ao vivo é ao vivo mesmo. Todo mundo conversando, comendo, bebendo e alguns ouvindo o que ali se passava. Para vocês terem uma idéia a gravação foi feita numa fita K7 e com o microfone no piano. Mas vale o registro e a curiosidade. Mais tarde esse disco foi lançado como Piano Four Hands: Bill Evans&Luiz Eça. O artigo abaixo do Muggiati explica melhor o que realmente rolou.

“20/09/2010 - Roberto Muggiati, Estado de São Paulo, 11/09/2010
A última vez que Bill Evans tocou no Brasil foi em 29 de setembro de 1979, na Sala Cecília Meireles, no Rio. Na verdade, foi a penúltima. Mal terminou o concerto, Bill foi abduzido para uma boate da Lagoa, o Chiko’s Bar, reduto do pianista Luizinho Eça. A empatia entre Evans e Eça era enorme. Em 1970, no álbum "From Left To Right" – em que tocava piano acústico com a mão esquerda e elétrico coma direita – Evans gravou um tema do brasileiro, "The Dolphin", o golfinho imaginário de um crepúsculo na Lagoa que exaltou a inspiração de Eça. Como a canção foi parar nas mãos de Evans é uma destas típicas anedotas do destino. Uma figura anônima – como aquele estranho que bateu uma noite à porta de Mozart e encomendou o Réquiem – entregou a Bill num estúdio de gravação em Los Angeles uma pasta cheia de partituras. Um dia, Bill deu uma espiada na pasta e apaixonou-se por "The Dolphin". Gravou oito takes; um deles, acrescido da orquestração de Mickey Leonard, foi batizado de "The Dolphin-After". (A integral do golfinho está em The Complete Bill Evans on Verve, caixa de 18 CDs.)

Apesar de pressões dos fãs, Bill nunca mais tocou "The Dolphin", nem na noite do Chiko’s Bar, na presença do seu autor. Evans já tinha gravado piano a seis mãos (todas suas, dubladas) em "Conversations With Myself", e a quatro mãos (também suas) em "Further Conversations With Myself", além de um álbum de duetos de piano com Bob Brookmeyer, "Ivory Hunters". O que ouvimos agora "Piano Four Hands – Live in Rio 1979" é um dueto informal no mesmo piano, Evans geralmente no registro agudo e Eça no grave, todo mundo solto e relax na madrugada de domingo, 30 de setembro de 1979. Um advogado boa praça pediu ao discotecário do Chiko’s para gravar o que rolasse e saiu da boate com uma hora de gravação numa fita K7 Basf. Como, 30 anos depois, a fita virou cd pela Jazz Lips Music,um obscuro selo britânico, é outra anedota.Entre as 14 faixas do cd, estão clássicos do próprio Evans ("Bill’s Hit Tune", "Laurie", "Five", "Letter to Evan") e favoritos seus como "Noelle’s Theme" (Legrand) e "Who Can I Turn To" (Bricuse-Newley). Além de "The Dolphin", Evans só gravou de brasileiros dois Jobins ("All That’s Left Is To Say Goodbye" e "Chora Coração"), um Francis Hime ("Minha/All Mine") e um Baden Powell não creditado ("Deve ser amor/It Must Be Love").

Na noite do Chiko’s ele e Eça trocam figurinhas em "Corcovado", que dura 3:57, e arriscam "One Note Samba", abortado em poucos segundos, que serve de trampolim para "Stella by Starlight". O famoso standard começa como um samba e então Luizinho o traz de volta ao 4/4, acompanhado por Bill, que a seguir retoma a melodia em grande estilo – ao todo 8:26 de puro jazz. O baixista Marc Johnson participa de seis faixas; Joe La Barbera comparece apenas como ouvinte – não há bateria nestas gravações.Além de Evans e Eça, Leny Andrade canta "Wave", acompanhada pelo pianista Cidinho Teixeira, que contribui ainda com "Chorinho Pra Ele" (Hermeto Pascoal) e encerra com "E nada mais" (Durval Ferreira-Lula Freire) em duo com Luizinho. Grande mistério da noite, resta um "Untitled" original (2:14) de Bill Evans, com aquela beleza introspectiva que era sua assinatura pessoal.

O advogado jazzófilo Arthur Lins lembra: “O Evans estava no auge da fama e da piração, muito sensível, tocando com um feeling extremado. Tinha a cabeleira caída no rosto, cabeça curvada, a testa quase tocando o teclado. Os dois fizeram uma apresentação maravilhosa que atingiu o clímax às 4 horas da madrugada.” Bill seguia célere na sua descida no Maelstrom. O suicida era ele, mas quem se matou (com um tiro) foi seu irmão, Harry, três meses antes. (Seis anos antes, a namorada de Bill por 12 anos, Ellaine, se jogou debaixo de um trem do metrô de NY.) Quem o visse de perto no Rio, notaria as mãos do pianista, antigamente longilíneas, gordas e inchadas pelo uso de drogas. Bill sangrou até morrer em 15 de setembro, aos 51 anos, num hospital de Nova York, de úlcera hemorrágica e pneumonia bronquial. Segundo sua mulher, “Bill planejou ativamente uma fuga da dor.” E o biógrafo, Peter Pettinger: “Seu suicídio lento carregava sua própria dor, mas a agonia foi desafiada por seu êxtase artístico.”

Luizinho Eça morreu de enfarte, aos 56 anos, em 1992. Mas, aqui, eles estão lado a lado, brincando nas 88 teclas de um piano mais iluminados do que nunca.

Poderia acrescentar outras histórias nessa história. Freqüentei muitas noites o Chiko’s Bar. Mas acho que já está de bom tamanho. O texto não é meu. Conhecia alguns detalhes, mas não tanto. O importante é que vocês saibam qual a importância de Luizinho Eça.


Será que Luizinho ganhou algum com esse "outro" disco?

* Esse disco nunca saiu no Brasil com créditos para Luizinho. Você pode achar procurando por Luiz_Eca_Bill_Evans_Chikos_Bar_1979.