quinta-feira, 30 de agosto de 2012

José Roberto Bertrami - biografia incompleta

José Roberto Bertrami nasceu em 21 de fevereiro de 1946 (signo de peixes), em Tatuí, interior de São Paulo e faleceu em 8 de julho de 2012 no Rio de Janeiro.


É muito difícil escrever sobre esse músico. Quanto mais se pesquisa mais coisa se descobre. Uma trilha puxa a outra, parece não ter fim. Afinal, quem foi realmente José Roberto Bertrami? Ele tocou de tudo e com todo mundo no mundo inteiro. É mais um daqueles músicos brasileiros que todos conhecem lá fora e aqui, muito pouco. Apenas uma citação no Wikipédia, naquela enciclopédia que todos falam o que vem a cabeça e você não pode acreditar em tudo. Já falo sobre isso. Acho que ele merecia coisa melhor. Vou tentar aqui mostrar um pouco mais.

Bertrami apareceu na cena musical em 1965 com o LP “Os Tatuís” (raríssimo, eu tenho, não empresto). Com apenas 19 anos, já chega com um sexteto da pesada e um som diferente do que rolava na época. A formação da banda era: José Roberto Bertrami no piano, Claudio Henrique Bertrami no baixo (seu irmão), Vasconcelos no sax tenor, Ivo Mendes no piston, Aresky Aratto no órgão e Elizeu Campos na bateria. Confesso que não conheço a turma toda. O primeiro disco do cara se torna um clássico, disputado nos sebos por colecionadores (japoneses à frente, sempre eles). O garoto promete.


Em 1966, lança o disco “José Roberto Trio”, com ele no piano, Claudio Henrique Bertrami no baixo e Jovito Coluna na bateria. É um discão. Se achar pode comprar. Se não achar, me avise. Já vi no “Mercado Livre”. Tá caro.




Mas, aí, já tinha passado a época dos Trios, a febre dos Trios. Acho que o Brasil foi o país que mais teve Trios no mundo: Tamba Trio, Zimbo Trio, Milton Banana Trio, Ginga Trio, Jongo Trio, Don Salvador Trio, Bossa Três e muitos outros. Fora aqueles que não tinha Trio no nome, mas eram trios, como o de Donato, Dick Farney, Pedrinho Mattar, etc. Posso ficar aqui a noite toda falando só dos Trios que proliferaram nessa época. Em 1966, tava todo mundo no México, Estados Unidos e Europa faturando uns trocados. Aliás, o México, sempre foi uma boa pedida, o pessoal era adorado na terra do sombreiro. Só me lembrei dos mais manjados. Tem ainda a galera de São Paulo, que formou um monte desses Trios. A noite de São Paulo foi o berço dos Trios. A Bossa Nova deveria agradecer a “Terra da Garoa”. Nesse ponto, acho que Vinícius de Moraes vacilou, ou estava meio “bebum” ouvindo o piano de Johnny Alf naquela tarde quando falou que São Paulo é o túmulo do samba (depois eu conto). Bobagem. Coisa de biriteiro.

Apesar dos sertanejos de sempre, na década de 60, São Paulo abraçou a Bossa Nova e a música instrumental com muita força. Desculpe-me os cariocas, mas São Paulo colocou muita gente boa na pista e garantiu a sobrevivência de muito músico que migrou para a metrópole oriunda de todo o Brasil (já falo sobre isso). Sem falar da época de ouro dos festivais. No Rio de Janeiro eram aqueles inferninhos e alguns restaurantes que tinham música ao vivo. A maioria quase amadora. Com a mudança da capital para Brasília, em 1960, o Rio de Janeiro levou um baque e tanto. E o músico sentiu. Quase todos foram trabalhar em São Paulo.
  Em 1966, Bertrami, precisando “garantir o leite do caçula e o sapato da mulher", aceita participar da Orquestra Som Bateau (depois eu comento). Foram quase 20 discos de 1966 a 1978, ou seja, 2 ou 3 por ano. Façam aí as contas. Como dizia Tim Maia (meu guru): “Vale Tudo”. Nesse babado aí entrou Hyldon, Gérson King Combo, Cláudia Telles, Fevers, Golden Boys, Trio Esperança e outros malucos beleza. Tem até um tal de Raul Seixas. Deve ter sido muito divertido aquele som sem preconceito com o seu Fender Hodes e o Hammond. As músicas eram os sucessos da época ou clássicos americanos com uma roupagem nova. Música de festinha. Era aquele "tchu-tchu-ru-tchu...". E vamos nós.

Em 1966, era inaugurada a cervejaria Canecão (Rio de Janeiro), iniciativa do empresário Mário Priolli, instalada na esquina da Lauro Müller, em frente a um posto de gasolina e a Pensão Santa Terezinha ou Solar da Fossa para os íntimos (hoje Shopping Rio Sul) que já não existem mais. Além de uma banda alemã para animar a bebida a casa programa algumas atrações internacionais, como os cantores Chris Montez, Johnny Rivers e a banda Herman´s Hermints (só sucesso na época). No Rio, o rítmo do momento ainda era a Bossa Nova e Priolli, esperto, contrata um quarteto (Quarteto Bossa Nova) para dar conta do recado: os irmãos Bertrami (José Roberto e Cláudio), mais Mamão e Robertinho Silva. Um time da pesada. Essa galera morava logo alí ao lado no Solar da Fossa.

Em 1968, chega ao Solar da Fossa o carioca Frederico Mendonça de Oliveira, o Fredera, que vai morar no apartamento 73, de José Roberto Bertrami. Ele era guitarrista, mas para aproveitar uma vaga no trio de Bossa Nova do Canecão, com Robertinho Silva e Bertrami, transforma-se temporariamente em baixista. Bertrami forma trio, quarteto e o que mais vier. Ainda não era famoso e tinha que pagar o aluguel da pensão.

Já vou falar sobre esse endereço. Saiu até um livro: Solar da Fossa, de Toninho Vaz (Editora Casa da Palavra). Livrão.

1966 – Orquestra Som Bateu – Top Hits e Top Hits 2
1967 – Orquestra Som Bateau – Top Hits 3
1968 – Orquestra som Bateu – Top Hits 4
1970 – 1974 – Som Bateu Ataca Novamente
De 1975 a 1978, foi Ataque pros Namorados, Ataque pra Nostalgia, Ataque pras Festas e não lembro mais, chegando em 1978, atacando nas Discotecas. Doideira. Waltel Blanco também fez arranjos para alguns desses discos.









Essa atividade, digamos paralela, não impediu Bertrami de ter o seu próprio grupo e levar o som que ele realmente gostava. O nome inicial era Grupo Seleção que depois virou Azymuth (Ivan Conti – Mamão, na bateria e Alex Malheiros, no contrabaixo). A proposta era uma mistura muito particular de samba-jazz-funk-rock. Sabe lá o que é isso? O nome Azymuth surgiu de uma música de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, gravada em 1975 pelo grupo. Depois eu volto ao Azymuth.

Em 1968, em plena ditadura militar, pinta um “maluco beleza” querendo abater “umas lebres” e aparecer no cenário artístico. Um tal de Carlos Imperial, com uma proposta “nova”: o Samba em 4/4 (totalmente atrasado, porquê aquele garoto que veio de Niterói, meio manco, já estava detonando em Nova York com aquela musiquinha chata “Mas Que Nada” do Jorge Ben). Nascia a “Turma da Pilantragem”. A onda era levar um som meio de sacanagem, tipo “Meu Limão, Meu Limoeiro”, “Mamãe Passou Açúcar Em Mim". Era o samba misturado com iê-iê-iê e soul. Babado forte. Até as capas dos discos eram debochadas. Bertrami, precisando faturar algum, entra nessa paçoca.


O “Som da Pilantragem” era chamado “Samba Jovem”. Não sei o que é isso. Colocaram guitarra no samba e falaram que era jovem (Como dizia Nelson Rodrigues: “o jovem ou é um Proust ou é um idiota de babar na gravata”). Vou ser sincero, ouvi muito isso aí, tenho até saudade. Algum primo mais velho me alertou sobre os arranjos. Eu acho que passei a ouvir arranjo com a turma da Pilantragem. Tinha um balanço irresistível, alegre, bom de dançar. Era Bertrami ao fundo em mais uma empreitada. Tinha muita fera nesse meio. Vejamos alguns: Bertrami, Alexandre Malheiros, Vitor Manga, Fredera, Márcio Montarroyos, Raul de Souza, Cesar Camargo Mariano, Simonal, Nonato Buzar, Durval Ferreira, Severino Filho, Sérgio Barroso, Edmundo Maciel, Antônio Adolfo, e lógico, Carlos Imperial, que não era bobo nem nada. Tem gente aí que cortou essa fase da sua biografia. Bobagem era tudo garotada querendo tirar um sarro, como se dizia na época. Era o início da pílula e da minissaia, sem HIV, uma festa, ninguém tem nada que reclamar. Nem vem que não tem. Simbora, e vamos nós. O conjunto Blitz, do Evandro Mesquita, copiou um pouco disso aí. Acho a capa desses discos meio "Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band", mas era o que tinha de bom.





Em 1969, o Azymuth aparece arrebentando com a música homônima na novela Véu de Noiva da Rede Globo. Tremenda composição de Marcos Valle é bom lembrar. Até hoje quando ouço essa música fico babando, queria ter feito uma assim. Não seria a última participação da banda em trilhas de filme e novelas.



Em 1970, Bertrami lança o disco José Roberto e Seu Conjunto - Organ Sound, Um Novo Estilo. Como só aparece José Roberto, pouca gente sabe que é o Bertrami, mas é ele mesmo.


Em 1973, participa como arranjador, já com o Azymuth, da trilha sonora do documentário “O Fabuloso Fittipaldi”, de Hector Babenco e Roberto Farias. Músicas de Marcos Valle e Paulo Sérgio Vallle. Tem o filme completo aqui no blog.


Em 1974, emplaca a música Pela Cidade, com o Azymuth, na trilha sonora da novela O Espigão, da Rede Globo.

A partir de 1975 sua trajetória se confunde com a do Azymuth. No primeiro disco oficial do grupo a música Linha do Horizonte, dos irmãos Valle, se torna um tremendo sucesso e alavanca a carreira da banda. Tem um disco anterior com remixes, mas parece que não conta.



Nesse mesmo ano, a música Melô da Cuíca se torna trilha sonora obrigatória da novela Pecado Capital, da Rede Globo. Tremendo sucesso. Muito swing na veia. Espete aí na bolacha.





Em 1977, a música Voo Sobre o Horizonte, emplaca na novela As Locomotivas, da Rede Globo.



Ainda em 1977, Bertrami participa, com o seu Fender Hodes, do discão da Sara Vaughan I Love Brasil. Os arranjos são do grande maestro Edson Frederico que nos deixou prematuramente há pouco tempo. Se não tem, corra pra comprar, é imperdível. Aliás, a negona já namorava a música brasileira desde a época que cantou ao vivo na extinta TV Tupi, em 1970, com Simonal. Dizem que o Simona “jantou ela” nesse dia, besteira, coisa de subdesenvolvido. Bom, pelo menos ao vivo, é mentira. Tem no Youtube.



Ainda em 1977, são convidados a tocar no Festival de Montreaux, Suíça. É a primeira banda brasileira a participar desse festival. Depois muita gente tocou lá, nem todos no mesmo nível, diga-se de passagem.“Mas, aí é outra história”.

O mercado internacional estava aberto para o Azymuth. Vão para os EUA a convite de Flora Purim e Airto Moreira e tocam em todo lugar onde havia boa música. O disco Lights as Father, o primeiro gravado fora do Brasil, é a consagração definitiva da banda no cenário internacional. Todo mundo tem que ter esse disco. Não sei se entrou naquela lista dos “1001 Discos Que Você Deve Ouvir Antes De Morrer”. Se não está, não sei quem bolou, mas é um tremendo vacilão. Esqueci-me de dizer, os caras ficaram anos nas paradas de sucesso da Inglaterra. Tem muito músico brasileiro que retornou sua carreira tocando na terra do fog por causa do Aymuth. Toma nota.



Blue Wave - 1983

Hélio Demiro – guitarra
Cláudio Bertrami – baixo
Robertinho Silva – bateria
Aleuda – voz
José Carlos (Bigorna) – flauta
José (Bicão) Alves – baixo




Dreams are Real - 1984

Paulinho Oliveira – flugelhorn
Nico Assumpção – contrabaixo
Robertinho Silva – bateria
Zizinho, Laudir de Oliveira – percussão
Maurício Einhorn - gaita
Durval Ferreira - violão
Jota Moares – vibrafone
José Carlos (Bigorna) - flauta
Flora Purim – vocal
João Palma – bateria
Tavinho Bonfá – violão

É legal ver Jota Moraes e João Palma na pista novamente. Eles aparecem no comecinho da Bossa Nova.


Resumindo, não sei de nenhum palco onde o Azymuth não tocou. Da Estônia, Holanda, Turquia, Japão, Grécia, Dinamarca, Suécia, Itália, USA, Inglaterra, Ibitipoca, Rio das Ostras, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, etc. Chega, cansei. O resto deixa com vocês.
Além desse trabalho estafante de shows ao redor do mundo com o Azymuth, Bertrami lança alguns discos solo: Blue Wave (1983), All My Songs (1990) e Blue Wave, Dreams Are Real (1999). O cara não para nunca.

Em 1990 e 1991, Bertrami dá um tempo com o Azymuth e é substituído por Jota Moraes, tremendo músico (depois eu conto). Logo voltam a tocar juntos até o fim. É uma grande amizade.

Bertrami também tocou e fez arranjo para muita gente boa do samba. Seu piano e outros teclados aparecem em diversos discos do grande amigo João Nogueira com o nome Zé Roberto, ou José Roberto. Em 1988, no disco “João”, o Azymuth aparece completo, com Laudir de Oliveira na percussão e Zé Bigorna no sax. Além de Mané do Cavaco, Neco no violão, Cuscus e Gordinho também na percussão. Bom disco.


 

Seria impossível falar sobre Bertrami em um blog. Ele merece um só para ele. Ou um livro com sua biografia. Quem se habilita? O que falo aqui é só a ponta de um iceberg. Como disse acima, o nome José Roberto aparece em muitos discos. Como as gravadoras perderam o costume de colocar os créditos na contracapa dos discos, é muito difícil saber o que Bertrami realmente fez. Só realmente um biógrafo com dedicação exclusiva e muito fôlego. Eu tenho muito mais para escrever aqui, mas acho que não vai ter fim. Devo ter esquecido algo importante. No site oficial da banda tem muito mais. Vou dormir.

www.azymuth.net/